Impressões de um jardim-casa chinês
Aníbal de Almeida Fernandes, Fevereiro, 2010.
Ontem, foi o grande impacto da minha viagem à China, (2001), a extraordinária Shanghai, com 10 milhões de bicicletas que disputam caoticamente as ruas com os carros e ônibus, 14 milhões de pessoas das quais 30% é classe média com 3.500 US$ de renda mensal, e a Millenium que é a melhor, mais requintada e mais barata, loja de toda China. Uma cidade belíssima com prédios enormes, modernos, que brilham à noite como em Hong Kong e se ve algumas construções pesadíssimas feitas pelos russos no tempo de Mao Tse Tung, no passeio pelo rio, num barco com dezenas de animados chineses de todos os cantos da China que vem a Shanghai para conhecer o futuro da China que daqui há uns 50 anos será a grande potência hegemônica mundial, num repeteco do seu magnífico Império de 5.000 anos, e que a Pearl Tower, como o seu restaurante giratório, a quase 400 m. de altura, nos faz antever, lá foi onde vi a mais linda chinesa da etnia Han, de toda a China, alta, clara, esguia, flexível e bela como uma flor de Lotus e que nos mostra, com um sorriso encantador, uma paisagem lindíssima de tirar o fôlego não só pela beleza/pujança/imponência/modernidade/qualidade, como, também, pelo inesperado, pois quando você vai à China ninguém explica/prepara/orienta para a potencia que é Shanghai, o máximo que dizem é que é como São Paulo e, quando se a vê, é um total, e completo, ficar atônito com sua força esplendorosa, sua vibração energética, seu potencial de modernidade que fará acontecer logo o desabrochar da Potência Chinesa, em seu caminho para a globalização de sua economia.
Vamos para Suzhou com seu portão Pan, que há 2.000 anos controlava o acesso à cidade, navegamos no canal que vai até Beijing (Pequim) com 1.794 km. de extensão e por onde, também, navegou Marco Polo. E, nesta cidade, acontece o encantamento ao chegarmos à frente da soberba casa do rico mercador de seda que era administrador do Imperador Chinês, o Senhor Humble, que é circundada por altos muros que, no acesso, recuam formando uma pracinha com um canteiro de magníficos lótus entre 2 portões que são a entrada e saída de um paraíso, pois por um deles, entramos no mundo das famílias e casas descritas pela escritora Pearl Buck que fascinava pelo texto e deixava uma confusão em nosso imaginário ocidental, nos anos 60/70, ao se tentar entender/reproduzir mentalmente o cenário físico da trama, pois era um sem fim de casas, pátios e jardins numa mesma casa e que, agora, se compreende/visualiza em sua totalidade e todo mistério fascinante, e se aprende que, a casa chinesa não é uma casa na acepção de casa ocidental, mas sim, um jardim luxuriante com uma série de cômodos dispersos entre caminhos serpenteantes com canais de água corrente, cheios de carpas coloridíssimas, com graciosas pequenas pontes que dão acesso a ilhas, algumas com pedras ornamentais com altura muito maior que um homem, com lagos cheios de lótus de todas as cores, que dão perspectivas fascinantes e variadas; tudo isso interligado por estreitos corredores de madeira decoradíssimos, e cobertos para evitar a chuva, (como os que estão no Palácio de Verão em Beijing=Pequim) que ligam esses vários cômodos hierarquicamente dispostos nas acomodações do Senhor todo poderoso, da autoritária 1ª esposa, das outras esposas com sua seqüência de importância, das concubinas, do filho mais velho, dos outros filhos, das salas de estar, das salas de reunião, dos locais de culto, da cozinha centralizada para servir todas as ramificações/sub núcleos da família que tem, cada uma, seu local para refeições, das acomodações dos serviçais, que eram às dezenas, pois o chinês rico vivia em plena e total ociosidade, muitas vezes corrompido pelo ópio, que chega da Índia trazido pelos ingleses e começa a devastar a China e, em 1820, avalia-se que o gasto com a compra de ópio pela classe dirigente chinesa supera o valor da exportação do chá e da seda, (sempre comercializado pelos ingleses com o seu banco Hong Kong/Shangai Bank, HSBC, que é atualmente o maior banco do mundo). O ópio acaba com a aristocracia e o Estado, que tudo gasta desvairadamente para comprar a desejada bola negra que é fumada, na doentia languidez das salas quase escuras, que dão vista para esses jardins deslumbrantes que, em diversas outras escalas de tamanho, compunham a casa de todo chinês rico, nobre ou comerciante, e tudo parece, um estúdio para filmagem onde os vários cenários estão dispostos em um único jardim.
É o que se vê também no Hutong que é o bairro próximo da Cidade Proibida em Beijing, que era a morada das famílias importantes do Império Chinês, como um Marais em Paris, próximo à Corte, lá visitamos a casa do Príncipe Tong (Dinastia Ming) tão deslumbrante como esta do Senhor Humble e que adiciona outra emoção, pois se sabe que ainda vivem nas cercanias, os poucos descendentes remanescentes da alta aristocracia chinesa, porém não se pode vê-los, mesmo que se peça ao guia, que desconversa, rapidamente, e mau disfarça o desconforto com a minha pergunta. Esse Hutong que era o mais requintado bairro de Beijing, durante as dinastias Ming (1368-1644) e Ch’ing (1644-1911), foi construído conforme as regras da etiqueta da dinastia Chou (1045-256 a.C.) que é a época de Confúcio, que criou um severo protocolo de moradia e teatro social para as várias classes sociais, que a tudo regulamenta com rígidas regras de respeito feudal para a atuação/relacionamento/representação do teatro social entre os vários segmentos sociais, que só seria incorporado ao feudalismo do Ocidente na Idade Média da civilização européia, 1.000 anos depois!!!!!!!. O Hutong está tentando resistir bravamente à modernidade selvagem da especulação imobiliária, já que é diariamente demolido para dar espaço aos prédios moderníssimos, como os que se vêem em qualquer rica cidade ocidental, e esse histórico bairro, já deteriorado pela revolução de Mao, que na casa de uma única família nobre instalou mais de 50 a 100 famílias, transformando num pardieiro o que era uma herança cultural única no mundo, pois esse conceito de morar-se num jardim, fragmentando a casa em seus vários componentes individuais, com uma circulação protegida, que permite uma interação com a natureza, que não se encontra em nenhuma outra cultura, vai desaparecer !!!!!!!!!
Este conceito de se morar num jardim atinge o paroxismo máximo de realização no Palácio de Verão construído pela dinastia mandchu Ch’ing, (das famosíssimas porcelanas das famílias: Negra, Rosa e Verde que fizeram (as 2 últimas) o luxo no 2º Reinado do Brasil, aparecendo como as famosas porcelanas das Índias dos Barões do Império do Brasil) nas cercanias de Pequim numa área de 290 hectares dos quais 200 hectares são de um lago, circundado pelas construções, sempre dispersas na vegetação e interligadas pelos corredores cobertos muito decorados, numa concepção arquitetônica do padre Castiglione (1688-1766), e paisagística do padre Benoit para os fantásticos jardins que contém fontes inspiradas em Versalhes. Neste Palácio de Verão vivia a Imperatriz C’ixi que governou a China por 47 anos, e gastava descontroladamente como um Luís XIV oriental no passadio extravagante e requintadíssimo da corte (com refeições que tinham mais de 100 pratos só para a Imperatriz, que não comia quase nada, e sessões de teatro que duravam 1 semana), ao custo de algo em torno de 10 milhões de US$ anuais, o que acabou com o tesouro chinês e não deu chance a seu neto Pu-Yi nascido em 1906 e escolhido por ela como seu sucessor, no lugar do próprio pai, de se manter no Trono Celestial no centro da Cidade Proibida, onde reinaram sucessivamente 24 Imperadores.
O Império Chines é eliminado pela revolução de Mao Tse Tung acabando com a seqüência milenar das dinastias dos Imperadores/Deuses nos 5.000 anos de história contínua da China.