CHINA: Dinastias, Cidade Proibida, Palácio de Verão, Hutong e outros destaques
CHINA: parece ser a forma alterada do nome da 4ª dinastia-Chin
Início da China com um soberano lendário, Fu Hsi, III milênio a.C.
Anibal Almeida Fernandes, Janeiro, 2010, atualizado Outubro, 2015.
1) Relação das principais Dinastias chinesas:
*2300-1650 a.C.: Hsia: Imperador Yu, nascido de uma virgem que comia sementes, é uma dinastia lendária com reis sagrados: os Filhos do Céu. Sem identificação arqueológica.
*1650-1045 a.C.: Shang: sabe fundir o bronze e tem os 1ºs objetos de jade. Grandes cidades, túmulos, artesanato e a 1ª escrita chinesa. Sacrifícios humanos eram feitos nas tumbas dos reis e da elite. Os sacrifícios eram feitos de 60 maneiras diferentes de matar as pessoas. (National Geographic, January, 2010, Restless Spirits, pg.116/117). Apesar dos arqueólogos terem descoberto ferramentas neolíticas de jade ao longo do Rio Amarelo, a afeição chinesa pela pedra cresceu por volta de 1.600 a.C., quando a realeza da dinastia Shang passou a dormir em travesseiros de jade, assinar decretos com carimbos de jade e a utilizar a pedra nas sepulturas dos entes queridos. A lenda sugere que apenas imperadores eram autorizados a possuir jade entalhado e que a busca por um tipo particularmente apreciado valia a morte de 10 mil soldados. Também não é coincidência que o ideograma chinês para rei tem a mesma raiz do caráter para jade.
*1045-256 a.C.: Chou: Imperador Wu Wang. No fim da dinastia é a época de Confúcio (Kung-Fu-Tze) a figura histórica mais conhecida na China como mestre, filósofo e teórico político. Sua doutrina, o confucionismo teve forte influência não apenas sobre a China, mas também sobre toda a Ásia oriental, ele pregava que cada um cumprisse com seu dever de forma correta e o condicionamento dos hábitos serviria para temperar os espíritos e evitar os excessos visando à criação de uma sociedade capaz, culturalmente instruída e disposta ao bem estar comum. A dinastia Chou tinha uma organização política/social parecida com o sistema feudal europeu, muito posterior na história. Organizaram os Hutongs, complexo de moradias que até hoje se encontra em Beijing. Os sacrifícios humanos diminuem e são substituídos por objetos com o ápice na tumba do Imperador Qin da próxima dinastia Chin.
*221-207 a.C. Chin: Qin Shi Huangdi (259-210 a.C.), foi o 1º imperador da China, após unificar sete reinos: Chin (o seu), Zhao, Yeh, Wei, Han, Chun (o maior) e Chi (o último em 221 a.C.) que viviam em guerra, num reino 10 vezes maior que o Egito, o Império do Meio. Ele sobe ao trono do reino de Chin (parece ser a origem do nome China) ou Qin em 247 a.C. Elimina potenciais rivais, como seus dois meio-irmãos. Usando seus exércitos baseados em cavalaria e infantaria ligeira e com flechas de grande alcance conquista os outros seis reinos juntando-os no território que viria a ser a 1ª união da China, ele reina por 37 anos e a partir de 221 a.C. ele assume o título Shi Huangdi, o 1º augusto Imperador da China. A grande revolução de seu império foi administrativa, acabando com o poderio corrupto dos senhores feudais dos 7 reinos. Sua centralização foi um modelo de estado que duraria até 1911. O imperador usa seu poder absoluto com crueldade, mas habilmente. Recruta milhões à força para grandes projetos, como a muralha e a sua fantástica tumba. Começa a construção da Muralha da China, pela ligação das muralhas existentes de vários castelos (são ampliadas para 2.400 km), tendo por objetivo separar o Império Celestial dos bárbaros do norte (mongóis), hoje a muralha chega a 6.700 km; nela trabalharam 1 milhão de homens (possivelmente ele aproveita os soldados desempregados após a unificação dos 7 reinos) e se estima que 250.000 morreram. A sua tumba cada vez surpreende mais o mundo, pelo tamanho monumental e pelos detalhes, já há mais de 8.500 guerreiros de terracota com 1,80 m. de altura e pedaços de amadura de pedra, armas e carruagens de cobre e supõe-se que no morro central está o local do sarcófago.. Ele cria o monopólio do sal e do ferro (que posteriormente dará poder e riqueza para as 2 grandes dinastias: Han e T’ang) e chega a controlar a Coréia do Norte. Essa dinastia não sobrevive à morte de Qin Shi em 210 a.C., há um período de várias lutas internas até a chegada ao poder dos Han.
*206 a.C.-220 d.C.: Han: Imperador Liu Pang (206-217) é o mais importante, pois ele controla a rota da Seda que é a ligação comercial com o ocidente. O Império está coeso e forte e comercia com o Ocidente e tem uma aristocracia sofisticada e requintada que se estrutura através de uma alta qualidade de arte/música/teatro/roupas/costumes.
*220-618 d.C.: Confusão geral, com 6 Impérios simultâneos, sem governo estável e unificado, destaque para a dinastia Sui (581-617) que consegue reunificar a China por um curto período.
*618-906 d.C.: T’ang: é uma importante dinastia, o Imperador Li Lung Chi torna a China o maior império do mundo e o mais rico, faustoso, organizado e requintado na música e nos costumes, indo da Coréia até o Tibete, cujo 1o rei casa-se com uma princesa chinesa. Há a transição da cultura de Confúcio para o Taoísmo, menos hierarquizado que enfatiza a espontaneidade ou liberdade da manipulação sócio-cultural pelas instituições, linguagem e práticas culturais. Manifesta o anarquismo defendendo essencialmente a idéia de que não precisamos de nenhuma orientação centralizada. Em essência, a maioria dos taoístas sente que a vida deve ser apreciada como ela é, em lugar forçá-la a ser o que não é. Idealmente, não se deve desejar nada, "nem mesmo não desejar". Inventam a imprensa que estimula a cultura/educação de uma classe média. Sua qualidade de vida é muito superior à Europa Medieval, atrasada e provinciana nesta época.
*907-960 d.C.: Confusão Geral, há luta entre 10 Estados após o assassinato do último imperador T’ang, com 17 anos, pelo general Chu Chuan Chung.
*960-1279 d.C.: Sung: é a fase da pintura intimista inspirada no taoismo. Há crescimento do Império.
*1280-1367 d.C.: Yuan, dinastia mongol, dos Grandes Khans (descendentes de Gengis Khan), o 1º Imperador foi Kublai Khan, neto de Gengis Khan, descrito por Marco Pólo em 1267.
*1368-1644 d.C: Ming (que significa brilho): é fundada por um camponês rebelde, Zhu Yuanzhang (1328-1398) e reafirma o predomínio da raça chinesa, derrotando os mongóis. O imperador Zhu Di, Imperador a partir de 1402 (filho do fundador da dinastia), amplia o Grande Canal iniciado na época dos mongóis de Kublai Kan que ia de Nanjing que era a capital do império até Beijing (Pequim) que é feita capital por Zhu Di a partir de 1421 onde ele completa a Cidade Proibida de Beijing que é o apogeu da arquitetura chinesa; ele amplia a Muralha da China e constrói uma enorme frota (Frota do Tesouro) de 317 navios (com 62 deles tendo 120 m. de comprimento) com um total de 27.870 marinheiros que implanta entre 1405 e 1433, a diplomacia e o comércio chinês na Indonésia, Malásia, Sri Lanka, Índia, Somália e Tanzânia tornando a China uma formidável potencia internacional. O filho de Zhu Di, Zhu Gaozhi é seu sucessor e morre depois de 9 meses no trono sendo sucedido por seu filho Zhu Zhanji que a partir de 1460 inicia o isolamento da China. É a fase da famosa cerâmica branca com pinturas em azul cobalto disputada e colecionada pelos reis da Europa, (vide o palácio de Catarina a Grande da Rússia). Os portugueses aparecem em 1514 e, em 1582, o poder real passa para os eunucos tendo um imperador um poder apenas decorativo. O último imperador Ming se suicida em 1644. No fim da dinastia Ming a China tinha 200 milhões de hab., entre eles 70.000 eunucos dos quais 10.000 na Cidade Proibida.
*1644-1911 d.C: Ch’ing: é a última dinastia, é mandchu (é a do filme O Último Imperador) ela se impõe aos chineses que estão divididos em lutas internas após a derrocada dos Mings e destaca-se com o seu Palácio de Verão, que é uma obra prima arquitetônica, próximo a Pequim, e as famosíssimas porcelanas das famílias: Negra, Rosa e Verde que fizeram (as 2 últimas) o luxo no II Reinado do Brasil, como as famosas porcelanas das Índias. Em 1850 a China tinha 420 milhões de hab., foram os 1ºs a ocupar a ilha de Taiwan em 1693. No fim do sec XVIII o ópio chega da India trazido pelos ingleses e começa a devastar a China e, em 1820, o gasto com a compra de ópio pela classe dirigente chinesa supera o valor da exportação do chá e da seda, sempre comercializado pelos ingleses com o seu banco Hong Kong/Shangai Bank, (HSBC).
2) Mais detalhes específicos sobre as dinastias da China Antiga: (1650 a.C. Shang e T’ang até 907 d.C.) e seu território conhecido como o Império do Meio:
Da dinastia Shang, (Idade do Bronze, 1650-1027 a.C.) com os seus reis com virtudes divinas (sua época é comparável aos tempos gregos de Homero) e da dinastia Chou que derrubou a dinastia Shang no ano 1027 a.C. e reinou até 221 a.C. (foi a época de Kung Chiu, conhecido por nós como Confúcio) até a dinastia T’ang (618-907 d.C.) tem-se o período, conhecido como China Antiga, de 1650 a.C. até 907 d.C. A China foi o país mais civilizado, poderoso e influente do leste asiático, particularmente na dinastia T’ang, capital Xian, que tem uma produção artística e uma qualidade requintadíssima de vida muito superior ao ocidente que estava em plena Idade Média, com todo o seu obscurantismo e atraso e sujeira, nessa época, os palácios e hábitos chineses da corte imperial, com sua ópera, música, poesia e rígido protocolo, tornavam a Europa um local de bárbaros ignorantes e atrasados. O Império do Meio, no sec. V a.C., era chamado pelos seus moradores, (o requintado, orgulhoso e altivo povo de Han), de Terra Amarela e o grande rio que vinha da Mongólia e inundava as suas terras era chamado de Rio Amarelo, por causa do barro amarelo. Ao norte viviam atrasados pastores de ovelhas, camelos e cavalos, que são os ancestrais dos turcos, mandchus e mongóis, estes, mais tarde, dominadores de toda a região com o poderoso Gengis Kan. Para o sul viviam povos, também atrasados, genericamente chamados de povo Man que falava idiomas relacionados ao tailandês e birmanes. Todos esses povos que estavam ao longo das fronteiras do Império do Meio, tanto ao norte como sul, eram conhecidos como o Povo Cão. Uma lenda diz que descendiam de um maravilhoso cachorro, chamado Pan-hu. Na escrita do povo de Han esses estrangeiros são representados por um réptil ou um símio, meros sub-homens. O povo de Han entre os séculos V e III a.C. tem uma fase conturbada com várias cidades-estados que se expandem para o norte e o sul e absorvem a parte espiritual e crenças dos prototailandeses, prototibetanos e protomongóis incorporando-as à cultura chinesa além das pedras, metais, pérolas, plumas, bambu e pele de rinoceronte para setas e escudos. Em meados do sec. III a.C., o poder central é restaurado pela dinastia Chin (donde vem o nome China) que dura apenas uma geração, porém unifica pela 1ª vez a China e, logo após, começa um breve período de lutas até ser restabelecido o poder pela famosa dinastia Han, que apareceu em 206 a.C. com o militar Liu Pang que se aproveita do colapso da dinastia Chin e domina toda a região pelos próximos 4 séculos, até 220 d.C., como uma Roma asiática, estabelecendo colônias na Coréia e Ásia Central, e mandando caravanas para a Pérsia e para a própria Roma. A dinastia Han se inspira nos ensinamentos de Confúcio da dinastia Chou, com a estrutura da sociedade baseada numa hierarquia muito rígida entre o Imperador e os funcionários, e entre os pais e os filhos e aspirando à harmonia com o universo, cultivando o saber e suas tradições feudais de barões e cavaleiros sendo que há uma identificação dos valores do sábio com o cavaleiro e o saber torna-se a ferramenta do Império Han. Em 220 d.C. desmorona o Império Han e nos 400 anos seguintes (sec. III a VII) há uma série de dominadores: tibetanos, mongóis, mandchus. O poder é restaurado sob a dinastia T’ang, que dura de 618 a 907 d.C. e torna a China o colosso da Ásia sendo na sua época, a mais rica, cosmopolita e sofisticada dinastia que reinou, superando a dinastia Han. Esta importância só será recuperada na dinastia Ming, 1368-1644.
3) Beijing (Pequim) a Capital do Norte (=Bei)
A Dinastia Ming, (1368-1644), fundada por um camponês, Zhu Yuanzhang (1328-1398) através de seu filho Zhu Di transforma Beijing (Pequim) em capital a partir de 1421. Atualmente tem 11 milhões de hab., numa área de 16.800 km2. Seus moradores são Han, Hui, Man, Mongóis num total de 56 etnias e a população urbana é de 7 milhões, muito menor que São Paulo que tem 17 milhões de população na grande São Paulo e 10 milhões na cidade numa área de apenas 1.570 km2 ! Pequim tem muitas avenidas largas para a circulação dos carros mas, mesmo assim, se tem a impressão de formigueiro humano com um tráfego terrível pela falta de respeito entre a população e os carros, todos sem considerar os sinais e ordem de precedência, (uma das avenida tem 40 km).
O clima é temperado e seco, o mais agradável é entre Agosto e Outubro.
Beijing (Pequim) começa com a dinastia Shang, antes de 1045 a.C., chamando-se Ch’i-tan e era capital do estado tártaro de Yan. A partir do sec. XII, e por 800 anos foi a 2ª capital da dinastia Chou (a 1ª era Nanjing, a Capital do Sul [=Nan]) e, depois foi a grande capital das dinastias: Chin, Han, Ming, e Ch’ing, permanecendo como a capital da China contemporânea.
Beijing tem a maior concentração, em toda a China, de templos e palácios das dinastias: Ming e Ch’ing, que são o ápice da arquitetura chinesa.
Em Beijing foi proclamada a República Popular da China a 1o de Outubro de 1949.
Beijing tem 7.862 lugares históricos (dos quais 2.666 templos) alguns incluídos pela Unesco como herança cultural do mundo: a Cidade Proibida, a Grande Muralha, e as Relíquias do Homem de Pequim. São destaques: a praça Tianamen, (lembrar da extraordinária foto do estudante duelando com uma fileira de tanques no levante estudantil dos anos 80), o Palácio de Verão, o Templo do Céu (construído em 1420/21 d.C. e restaurado em 1751), é o mais importante templo de Pequim lá, num determinado dia e num ponto central sobre plataforma (onde eu estive disputando ficar parado com dezenas de estudantes) acontecia o contato divino dos deuses com os homens através do Imperador, tem também as tumbas da dinastia Ming, a ponte de Marco Polo, o parque Beihal, o Hutong (único no mundo) e o Yonghegong.
A enorme praça Tianamen fica em frente à Cidade Proibida, tendo dos lados a Assembléia Popular e o Museu de História, é nela que ocorrem os grandes desfiles cívicos do país.
Mais algumas informações históricas, para melhor entender minha viagem, à China, em 2001:
4) Cidade Proibida:
O 3º Imperador da Dinastia Ming, Yung Li, (reinou de 1403 até 1424), mudou a capital de Nanjing (Sul) para Beijing (Norte) para melhor controlar os ataques dos mongóis cuja dinastia Yuan havia sido derrotada pelo seu avô, o 1º Imperador Ming. Yung Li aproveitou o lugar onde estava o palácio de Kublai Khan (que hospedou Marco Pólo e é neto de Gengis Khan) para construir a Cidade Proibida, onde reinaram sucessivamente 24 Imperadores. A Cidade Proibida é, na realidade, uma inexpugnável fortaleza de 697.410m2 de área (738m. x 945m.), circundada por muralhas de 9,6m. de altura protegidas por um fosso de 51m. É o exemplo definitivo do poder de uma elite desligada do povo de tal forma estabelecida, que lembra a poderosa força teocrática dos faraós egípcios. O principal acesso terrestre é pela praça Tianamen (Praça da Paz Celestial), por 3 Pontes, a central só para o Imperador, a direita para a Imperatriz e a esquerda para quem tivesse direito de acesso à cidade proibida. Vem uma seqüência de 4 portões: o 1º - Portão da Paz Celestial, cuja construção é usada como tribuna para os desfiles militares na Praça, o 2º - Portão da Honradez, o 3º - Portão Meridiano, em cujo pátio estão as Pontes do Rio Dourado e, finalmente, o 4º - Portão da Suprema Harmonia, daí se vê o cenário do filme O Último Imperador com as 3 escadarias de mármore branco subindo ao Pavilhão da Suprema Harmonia, construído de 1406 até 1420, (tem 2.300m2, o maior salão europeu que é o de Pedro o Grande em São Petersburgo só tem 1.100m2 e a sala dos espelhos de Versalhes 740m2), com seu telhado curvo duplo que é o mais alto de toda a Cidade Proibida apoiado em 72 colunas com 15 m. de altura e um sistema complicadíssimo de vigas de apoio com muita decoração, nas quinas das extremidades do telhado, (conforme a tradição chinesa de mostrar a importância da construção colocando uma seqüência de figuras mitológica que são os Guardiões do lar), aparecem 10 figuras: na ponta uma galinha montada por um imperador e mais 9 animais mitológicos, esta é a única construção com 10 figuras no telhado. No Pavilhão só há o monumental Trono do Dragão de madeira dourada e só era usado para as coroações, festas do ano novo, casamentos reais (o último em 1889) e aniversários do Imperador. Este Pavilhão queimou pelo menos 8 vezes e foi reconstruído, no lado externo tem 4 imensos recipientes de cobre para guardar água para combater eventuais incêndios. Daí se vai para o Pavilhão da Harmonia Central, depois para o Pavilhão da Preservação da Harmonia que é a última construção da parte cerimonial/administrativa. Ao longo desse eixo norte/sul na parte cerimonial/administrativa, não há nenhuma vegetação pelo medo de poder servir de esconderijo para os conspiradores, apenas sucedem-se vários pátios com muros e portões, onde ficavam: a guarda imperial, os empregados, os mantimentos, numa longa seqüência até o palácio, isso lembra o acesso de um templo egípcio, ou seja, o Imperador Chinês era um deus distante e protegido da realidade do mundo e dos anseios da população, pois o Imperador era o filho do Céu e o único a dialogar com os deuses e conseguir deles, o apoio para o povo (teocracia). O Imperador era dominado por uma burocracia que mandava, com corrupção e ganância no estado, vivendo num mundo totalmente à parte e com uma dinâmica própria totalmente desligada da realidade dos súditos. Daí tem-se uma muralha que protege o acesso à parte intima/doméstica da Cidade Proibida cujo acesso se faz pelo Portão da Pureza Celestial onde, alem do Imperador, nenhum homem entra. Tem 2 palácios, o maior é para o Imperador, Palácio da Pureza Celestial, depois para a Imperatriz, Palácio da Tranqüilidade Terrena, alem de várias residências para as concubinas, com jardins e vários pequenos palácios. Nesta parte íntima vivia a família Imperial (havia até 200 concubinas para o Imperador) com 9.000 empregados e 10.000 eunucos que, na decadência dos Ming e Ch’ing eram quem tinham o poder administrativo, de fato, nas mãos. A arquitetura da Cidade Proibida é o que há de mais tecnicamente requintado na arquitetura chinesa, porém; é um tremendo contraponto com toda a conceituação chinesa para a moradia, pois em todos os palácios e casas nobres, os jardins envolvem todos os cômodos e se integram perfeitamente com eles num ritmo harmonioso e intenso fragmentando a casa em cômodos e jardins para os vários familiares que coabitam a moradia, cada um com a sua área de viver junto à natureza, essa concepção arquitetônica só aparece na área íntima (lado norte) onde está a área residencial. A falta de vegetação da área cerimonial/administrativa torna a área dura e prepotente na sua grandiosidade estéril e, como nunca era usada pelo povo, tem-se a sensação de uma sociedade fechada em seus próprios vícios e condenada à morte por estagnação e asfixia. A Cidade Proibida foi habitada até 1922 quando Pu Yi, o último Imperador da China (tem o famoso filme), foi posto fora pelos Comunistas que a transformam em Museu em 1925. Há semelhança com a Rússia dos Romanovs, fechados no Kremlin, ou isolados em São Petersburgo, sem nenhuma visão objetiva da realidade do povo e foram justamente nesses 2 países os maiores conflitos sociais do sec. XX.
5) Palácio de Verão: A dinastia mandchu Ch’ing (1644-1911) restaurou as construções de Pequim e construiu o Palácio de Verão nas cercanias da cidade, totalmente chinês em sua concepção conceitual/arquitetônica de cômodos e jardins, que é uma obra prima completa. Usa os projetos dos jesuítas: padre Giuseppe Castiglione (1688-1766) para as construções e do padre Benoît para as fontes de água inspiradas em Versalhes. O conjunto de 290 hectares, dos quais 200 são de um belíssimo lago, é tudo o que se imagina de um palácio chinês com jardins luxuriantes, fontes, pavilhões elegantes dispersos nos jardins, extensos corredores para as caminhadas sob chuva, perspectivas com cenários fabulosos, é a referencia maior para o conceito de jardim/casa/palácio. Os tetos do palácio se destacam com sua estrutura maravilhosamente entalhada e numa técnica construtiva de malha estrutural que alterna o octógono com o quadrado. Ainda chamam a atenção: o Pequeno Templo e a Ponte Curvada com um arco de volta perfeita (um semicírculo) que é uma obra prima de engenharia. Neste palácio, vivia a Imperatriz C´ixi que governou a China por 47 anos (era apenas uma concubina de 5ª categoria muito esperta que deu o herdeiro para o Imperador e, após a morte do marido, toma o controle total do poder de 1861 até 1908). Quando ela fez 50 anos deu uma festa com gasto de 80 milhões de US$. Ela gastava como um Luís XIV oriental no passadio requintadíssimo da corte (com refeições que tinham mais de 100 pratos e ela não comia quase nada), algo em torno de 10 milhões de US$ anuais, o que acabou com o tesouro chinês. Era despótica e extravagante e não queria a abertura da China para o Ocidente nem a modernização do Estado e não deu chance a seu neto Pu-Yi, nascido em 1906, de se manter no Trono Celestial que é eliminado pela revolução de Mao Tse Tung acabando com a seqüência milenar dos Imperadores/Deuses, como se vê no Ultimo Imperador do belíssimo filme de Bertolucci.
6) Comentários
Hutong: é único no mundo esse extraordinário bairro antigo chinês, ainda existente ao redor da Cidade Proibida, é o Marais de Paris. Hutong significa aléia, e foram perfeitamente organizados nas várias cidades chinesas que ordenaram, hierarquicamente, a moradia da população determinando que as áreas do norte e sul eram ocupadas pelas residências dos nobres e grandes dignitários da corte (identificadas por 4 troncos no lintel da entrada e figuras mitológicas nas quinas do telhado a referência máxima é o Pavilhão da Suprema Harmonia da Cidade Proibida que tem 10 figuras, sendo a primeira um homem sobre uma galinha que lembra um Imperador que foi atirado de um telhado). Essa norma vigorou durante as dinastias Yuan (1280-1367 d.C.), Ming (1368-1644) e Ch’ing (1644-1911). O hutong foi construído conforme as regras da etiqueta da dinastia Chou (1027-227 a.C.) que é a época de Confúcio (Kung-Fu-Tze), que criou um rígido protocolo social, com rígidas regras feudais de atuação entre os vários segmentos sociais, que só seria incorporado na civilização européia na Idade Média, 1.000 anos depois. Atualmente está tentando resistir bravamente à modernidade já que é demolido para dar espaço aos prédios moderníssimos que se vêem em qualquer cidade ocidental e esse histórico local, já deteriorado pela revolução, que numa casa de uma única família nobre instalou de 50 a 100 famílias, transformando-a num pardieiro. Enfim, o que era uma herança cultural única no mundo pois, esse conceito de morar-se num jardim, fragmentando a casa em seus componentes individuais, com uma circulação protegida, que permite uma interação com a natureza que não se encontra em nenhuma outra cultura vai desaparecer!!
Visitei em Beijing o palácio do príncipe T'ong (Ming) que é uma beleza, lembrando o palácio de verão, em muito menor escala, onde tomamos um chá no ritual chinês com uma moça vestida a caráter da dinastia Ch’ing é um ritual elegante, refinado e agradável. As áreas do leste e oeste eram para as famílias mais simples (identificadas por 2 troncos no lintel) e na periferia ficava a classe baixa e os comerciantes que eram mal vistos na fechadíssima e aristocrática sociedade chinesa. A moradia no Hutong tem sempre a entrada pelo sul e mantém a ordem do fheng sui. O pátio interno é o local de convivência comum às várias partes/ramos da mesma família com a 1ª mãe (Matriarca) dando as ordens despoticamente a todos que a habitam, mantendo o ritmo da intimidade e da intensa convivência da família chinesa. Com a revolução, os hutongs foram totalmente descaracterizados e, onde morava uma única família, foram enfiadas centenas de famílias, sem relação de sangue entre si, tornando a coisa toda, um imenso e caótico pardieiro, pois tem gente de mais e não há banheiros, apenas os coletivos em alguns pontos estratégicos. O banheiro que eu visitei era um prédio num terreno de 6 m. por 12 m., dividido ao meio, no direito os homens, na esquerda as mulheres, a entrada é por um corredor a céu aberto com um cocho com 4 torneiras (tinha um adolescente escovando os dentes) a seguir o prédio coberto, sem porta de acesso, com um cocho de uns 2 m. para a urina e vários cubículos com bacia turca, não vi torneiras internas. A moradia que eu visitei era composta de um minúsculo pátio com 3 construções, a maior com uns 5 m2 era a sala, cozinha e quarto do casal de 50 anos, um cômodo de 1 m2 tinha um cano com água que foi orgulhosamente apresentado como o chuveiro e um outro cômodo de uns 3 m2 onde dormiam os 2 filhos do casal. É nessa região de Beijing que ainda moram os últimos remanescentes das famílias nobres e da família imperial que não saíram da China, porém eles não têm mais nenhum privilégio e estão perdendo, rapidamente, a sua cultura e as suas características de referência e a guia, quando eu pedi para os conhecer, desconversou constrangida e nervosa. Um contraponto, na Rússia o povo fala sobre os Romanovs com intenso respeito e admiração.
*Caminho sagrado: o Templo do Céu lembra, mais uma vez, o Egito com a avenida dos carneiros em Karnak/Luxor só que, aqui, são animais variados, inclusive mitológicos e figuras de generais, tudo isso para reverenciar o Imperador, em seu baldaquino, carregado por 36 pessoas que, no meio de um imenso cortejo, com a corte e o exército sem ninguém do povo, sempre de madrugada ia pedir sozinho aos deuses como seu único representante na terra, no ponto central do mundo, que é uma plataforma circular com o diâmetro de uns 5 m. há 1,5 m. do solo com um ponto central onde o Imperador sozinho invocava o auxílio dos deuses (eu consegui ficar no ponto exato após disputar o privilegio com uns 30 escolares adolescentes), para a colheita anual. Era uma cerimônia mística, privativa, e com sacrifício de sangue de boi, (porém quem pode afirmar que no início não eram vítimas humanas como entre os Maias da América que também reverenciavam as colheitas com sacrifícios humanos). Lembrar da Sagração da Primavera de Strawinsky, que se insere na cultura eslava/russa/européia.
*Ópera de Pequim: é impressionante, parece ter a mesma raiz dos saltimbancos medievais e da Comédia D’ella Arte Italiana, com sua tradição de rua onde a forma é muito mais importante que o conteúdo e o humor popularesco/escatológico, a farsa grotesca/vulgar, a tragédia maniqueísta, convivem alegremente para um enorme público de chineses barulhentos e exultantes. Porém os textos eram escritos por gente da corte, vimos “O Tigre Branco” de um príncipe Ming. A Imperatriz C’ixi promovia espetáculos de 10 dias sem interrupção, para o divertimento da corte. Porém a Ópera parou no tempo e não evoluiu em outros segmentos, enquanto nós conseguimos evoluir, desde o teatro de coro grego para a complexidade sublime de Shakespeare e os musicais da Broadway e, mesmo assim, mantemos até hoje, os circos, e espetáculos de rua.
Arquitetura e outras artes:
Característica arquitetônica: são os sólidos pilares nos cantos, sem capitel, e paredes leves, sem sustentação que limitam a altura e a largura das construções de madeira. Os pilares suportam o vigamento, com limitação devido ao comprimento das árvores, que se projeta para proteger as paredes das intempéries. Poucas construções antigas resistiram ao tempo.
Construção típica: pagode, de caráter religioso. O mais famoso é o de Xian: o Ganso Selvagem com 60 m. de altura feito durante a dinastia T’ang (618-907) e que já resistiu a inúmeros terremotos.
Pintura: não tem o ponto de fuga da perspectiva ocidental (um ponto fixo) é do tipo vôo de pássaro. Tem como objetivo o equilíbrio entre os volumes e os espaços vazios com preponderância da linha e seus ritmos, sempre elegantes e despojados. Retratam principalmente: bambus, pássaros e flores.
O Dragão é o símbolo do Imperador e a cor do Imperador é o amarelo, que só ele podia usar.
Os Guerreiros de terracota estão na Província de Shanxi e guardam o túmulo do Imperador Shih Huang Ti, da dinastia Chin que reinou, brevemente, entre as dinastias Chou e a Han, porém é reverenciado como o 1º Imperador a unificar a China em um Império, coeso, forte e rico. O túmulo é algo espantoso pelo tamanho, (são vários pavilhões maiores que 2 campos de futebol juntos, cada pavilhão) e pode, sem dúvida, se equivaler às pirâmides do Egito, pois o túmulo tem uma área total de 56 km2 (? os chineses no geral exageram tudo ?) soterrados que foram em parte destruídos por uma revolução de camponeses, logo após a morte do Imperador, na derrocada da dinastia Chin. Se estima em 400.000 os guerreiros de terracota enterrados para guardar o túmulo do Imperador que estão sendo, lentamente, recuperados por arqueólogos chineses num trabalho monumental. O que é mais espetacular e impressionante é que, cada guerreiro é um indivíduo único, com cara, cabelo, uniforme e armas diferentes uns dos outros, o guia explica que as cabeças eram moldadas fora do corpo e depois coladas. Num pavilhão há um vídeo formidável que conta a morte e o ataque dos camponeses e a destruição de parte da construção pelo fogo.
7) Outras Cidades:
# Xian: é a capital dos T’ang, (618-907 d.C.), e demonstra a requintada sociedade do sec. VII d.C. Há um espetáculo teatral de música e dança que pela qualidade, e a beleza e sofisticação das roupas põe abaixo tudo o que se tinha na Europa na mesma época e talvez pareça, um pouco, o que havia em Constantinopla. As muralhas são extraordinárias, com 14 km de comprimento com 12 x 12 m. (altura e largura), mas são da época Ming (1368-1644 d.C.), pois um dos filhos de um Imperador Ming, defendeu a cidade de um ataque e resolveu embelezá-la e lá morar.
# Ontem, foi o grande impacto da minha viagem à China, (2001), a extraordinária Shanghai, com 10 milhões de bicicletas que disputam caoticamente as ruas com os carros e ônibus, 14 milhões de pessoas das quais 30% é classe média com 3.500 US$ de renda mensal, e a Millenium que é a melhor, mais requintada e mais barata, loja de toda China. Uma cidade belíssima com prédios enormes, modernos, que brilham à noite como em Hong Kong e tem algumas construções pesadíssimas feitas pelos russos no tempo de Mao Tse Tung, no passeio pelo rio, num barco com dezenas de animados chineses de todos os cantos da China que vem a Shanghai para conhecer o futuro da China que daqui há uns 50 anos será a grande potência hegemônica mundial, num repeteco do seu magnífico Império de 5.000 anos, e que a Pearl Tower, como o seu restaurante giratório, a quase 400 m. de altura, nos faz antever, lá onde vi a mais linda chinesa da etnia Han de toda a China, alta, clara, esguia, flexível e bela como uma flor de Lotus e que nos mostra, com um sorriso encantador, uma paisagem lindíssima de tirar o fôlego não só pela beleza/pujança/imponência/modernidade/qualidade, como, também, pelo inesperado, pois quando você vai à China ninguém explica/prepara/orienta para a potencia que é Shanghai, o máximo que dizem é que é como São Paulo e, quando se a vê, é um total, e completo, ficar atônito com sua força esplendorosa, sua vibração energética, seu potencial de modernidade que fará acontecer o desabrochar da Potência Chinesa, em seu caminho para a globalização de sua economia.
# HONGKONG, FSP, 2/12/19
Andar nas ruas de Causeway Bay, em Hong Kong, é uma experiência opressora para o visitante de bolsos mais vazios e um delírio para consumistas abastados. A cornucópia de marcas de luxo fica na área de comércio mais cara do mundo, segundo o tradicional ranking da consultoria Cushman & Wakefield, onde o aluguel custa o equivalente a R$ 120 mil por metro quadrado anualmente. O problema para o setor, que sempre teve em Hong Kong uma de suas joias da coroa, é que não há mais tantos visitantes. Em outubro, o Escritório de Turismo local registrou queda de 43,7% no número de turistas em comparação com o mesmo mês de 2018. Em relação a visitantes chineses, os mais abastados e consumidores furiosos, houve momentos de redução de até 90% na frequência. "Estamos caminhando para o fim", diz, resignado e falando de forma anônima, o diretor de marketing de uma grande marca de relógios de luxo europeia. A combinação explosiva de preços de aluguel altíssimos e os seis meses de crise política são, para ele, a senha de que os dias de glória de Hong Kong estão contados. Hong Kong: tem pérolas excelentes, com ótimo preço (branca com 13,5 mm. por 1.000US$ cada uma, comprei para adicionar no brinco de brilhante da Zezé).
Comentários sobre a China atual
8) A realidade sócio-financeira: Folha SP, 3/6/2007.
*A glória de enriquecer continua sendo a meta de milhões de chineses, mas a ostentação de riqueza merece condenação. Ao viajante ainda atordoado com os neons e os arranha-céus de Xangai, os dirigentes comunistas repetem que "ainda somos um país em desenvolvimento", enquanto colunas e reportagens dos jornais oficiais investem contra hábitos dos novos-ricos, como a "compra" (via pagamento de multa) do segundo ou do terceiro filho. As diferenças são visíveis para quem deixa a costeira Xangai, renda per capita anual de US$ 7.000, e desembarca em Xian, no centro do país, primeira capital da China unificada (século 3 a.C.) e terra dos guerreiros de terracota -renda de US$ 1.150. A viagem de avião de duas horas leva de uma Nova York asiática para um Rio de Janeiro, com os contrastes familiares aos brasileiros.
*Os dentes dos chineses são brancos em Xangai, em Pequim. Manchados no interior, como os dos moradores de uma vila rural em Shaanxi.
*800 milhões de chineses ainda vivem no campo e 120 milhões de migrantes vagam pelas cidades sem registro de moradia (o que lhes veta o acesso a serviços públicos) de que fala a imprensa oficial. A consultoria Merrill Lynch estima que há no país 3 milhões de famílias com mais de US$ 100 mil e 300 mil com mais de US$ 1 milhão de patrimonio.
*No "China Daily", ligado ao Conselho de Estado, um editorial condena a "obsessão dos novos ricos" por barbatana de tubarão, "um símbolo de riqueza e classe" que estaria levando à extinção dos animais. "Eles precisam de comidas caras para abastecer sua autoconfiança", sentencia o jornal. O mesmo diário registra que o prefeito de Pequim, Wang Qishan, criticou o uso de adjetivos como "luxuoso" e "exclusivo" nos outdoors de lançamentos imobiliários, por minarem, diz ele, "o objetivo de manter a harmonia entre os ricos e os pobres.
*Mesmo batendo continência para o igualitarismo, o governo chinês não está nem perto de criar um Estado de bem-estar social. A prioridade ainda é gerar riqueza por meio do crescimento, e não distribuí-la. Na China, a universidade pública é paga e não existe serviço universal de saúde nem de aposentadoria. Há programas focalizados de investimentos e complementação de renda para conter a insatisfação dos mais pobres e evitar o êxodo rural.
*Há crescente ativismo de grupos independentes que denunciam agressões ao ambiente ou defendem as pessoas que, até a aprovação da nova lei de propriedade, em março, podiam ter suas casas sumariamente requisitadas por autoridades locais, mediante indenização ínfima, para a venda dos terrenos a indústrias ou construtoras. O sinólogo americano Richard Baum calcula que há mais de 300 mil movimentos desse tipo na China.
9) A crise e a China: Gazeta Mercantil, 10/11/2008.
Na China o desenvolvimento econômico avança na contramão do senso comum. No mundo inteiro, o tráfego das grandes cidades descansa aos domingos, aqui, não! Alheio à crise financeira mundial e até mesmo ao megapacote de quase US$ 600 bilhões anunciado pelo governo federal, o chinês desfruta de uma situação inédita e única. Com tempo para o lazer e dinheiro no bolso, no final de semana o carro sai da garagem em busca do tempo perdido. Em Pequim, as novas e largas avenidas da capital política assistem a um desfile variadíssimo de automóveis de luxo: BMW, Mercedes, Passat da Volkswagen (marca dominante no segmento de quatro rodas), Audi, Buick, etc. A disponibilidade é tanta que a velocidade reduzida com que se roda até os principais pontos turísticos nos arredores das grandes cidades não incomoda em nada os habitantes locais. Afinal, há cerca de 20 anos, qualquer cidadão chinês recebia ao final de cada mês um salário que não passava de US$ 20. Operário, professor, médico, engenheiro, fosse o que fosse. A abertura da economia e a enxurrada de oportunidades de ganho e acumulação de dinheiro tornaram cada interlocutor um outdoor ambulante do orgulho de seu país. No trecho restaurado da Grande Muralha em Badaling, distante 70 quilômetros a Noroeste de Pequim, os chineses dão a impressão de representar mais de 50% do público pagante que atinge a média de 20 mil pessoas por dia. Não falta combustível para escalar milhares de degraus, íngremes e irregulares, e alcançar uma vista deslumbrante no topo de uma cadeia de montanhas. Já na Cidade Proibida, lar de dezenas de imperadores, não há margem para dúvidas, os chineses são esmagadora maioria. Invadem os pátios internos aos batalhões com mais de 100 integrantes, guiados por bandeirolas coloridas e muito burburinho ao longo da visita. Mas nem tudo está resolvido com a revolução que transporta a China rumo ao futuro. A viagem tem escalas forçadas por desafios e assombrações. Ao final das visitas, os turistas, em geral os estrangeiros, são alvo de mendigos com bebês no colo ou vítimas de marreteiros vendendo livros, camisetas, pins e falsificações de qualquer produto que se possa imaginar: relógios, bolsas, roupas, sapatos, tudo. Muitos chineses ainda perambulam com os trajes compulsórios da época de Mao Tse-tung e outros não imaginam figurino diferente da farda militar, decorada com medalhas de honra, se possível. Ainda hoje, o serviço militar é uma alternativa atraente aos jovens chineses. Muitos, mesmo graduados na universidade optam pelas garantias do soldo que ainda oferece como bônus um status diferenciado entre uma população de mais de 1,3 bilhão de seres humanos. A busca pela riqueza e ganho rápido já pode ser percebida, mas ainda muito distante do vale-tudo tão comum no Ocidente. A malandragem na China ainda estagia na tentativa de aproveitar a demanda muito maior do que a oferta de táxis num final de tarde de muita chuva. Aos passageiros, sofrendo pela espera de uma carona para voltar ao hotel, o motorista só aceita fazer a corrida com taxímetro desligado e preço fechado - e dobrado - até o destino. Não é possível imaginar, mas quando se está com os sapatos molhados o único desejo pode ser entrar o mais rápido possível em um Santana 3000, hoje somente fabricado neste país e preferência para utilização como táxi. No entanto, não há contradição ou mazela do crescimento que tire o brilho da gana por oportunidades que os chineses demonstram faça chuva ou faça sol. kicker: "A busca pela riqueza e ganho rápido já pode ser percebida, mas ainda muito distante do vale-tudo tão comum no Ocidente" (Marcello D’Angelo - Jornalista e Diretor-geral, de Pequim).
10) Política do Filho Único: FSP 29/OUT/2015
O Partido Comunista da China decidiu abolir a política do filho único, permitindo que casais tenham até dois filhos, informou nesta quinta-feira (29/10/15) a agência de notícias estatal Xinhua. A decisão do partido, tomada em reunião de cúpula iniciada na segunda-feira (26/10/15) para definir as diretrizes econômicas dos próximos cinco anos, representa uma importante mudança na política demográfica da China. O país vai "implementar por completo a política de permitir cada casal a ter dois filhos, como resposta ao envelhecimento da população", disse a agência estatal chinesa. Wang Feng, especialista em demografia e sociedade chinesa, avalia que a mudança é "um evento histórico" que vai alterar a dinâmica mundial, mas terá um impacto muito limitado na questão do envelhecimento populacional. "É um evento que estávamos esperando por uma geração, mas tivemos que esperar tempo demais para que ele chegasse", disse Wang. "Não vai ter qualquer impacto na questão do envelhecimento, mas vai mudar o caráter de muitas famílias jovens", completou. A controvertida política de filho único foi implementada pelo partido em 1979 para tentar conter a explosão demográfica no país mais populoso do mundo —atualmente, a China tem mais de 1,3 bilhão de habitantes. Estima-se que a política tenha impedido o nascimento de cerca de 400 milhões de pessoas desde sua aplicação. Ocasionalmente a política incluiu medidas ainda mais duras de repressão à natalidade, como esterilizações e abortos forçados. Quem a descumpre está sujeito a pagar altas multas, no mínimo, e alguns chegam a perder o emprego. Ao longo dos anos, concessões foram abertas para minorias étnicas e populações rurais. Em novembro de 2013, o governo relaxou a política para tentar conter o envelhecimento da população. Entretanto, a flexibilização atraiu menos interessados do que o governo e especialistas chineses esperavam. A permissão para ter um segundo filho se aplicava a casais em que um dos pais é filho único. Segundo a mídia estatal, cerca de 30 mil famílias em Pequim se candidataram a ter um segundo filho, o que representa 6,7% das que poderiam pedir a autorização. A administração local afirmou em janeiro que esperava 54,2 mil nascimentos a mais por ano em virtude do relaxamento das regras. O alto custo de ampliar a família é apontado pela maioria como o motivo para desistir da ideia. Usuários do serviço de microblog chinês Weibo, em geral, elogiaram o fim da política do filho único, mas muitos afirmaram que não optariam por uma segunda criança. "Eu não consigo nem custear a criação de um filho, imagina dois", escreveu um usuário. A controvertida política do filho único causou um desequilíbrio demográfico e agravou o problema do envelhecimento da população da China. Em 2007, havia seis adultos economicamente ativos para cada aposentado. Até 2040, segundo projeções, essa proporção deve cair a dois para um. Além disso, há o impacto social negativo, como a discriminação de gênero. Como meninos são preferidos, aumentou a prática do infanticídio de meninas no país. Por esse motivo, os médicos são proibidos de revelar o sexo do bebê durante a gravidez. O abandono da controversa política de filho único na China, anunciado 29/10/15 pelo Partido Comunista do país, terá efeito direto sobre Andrea Zhao, 30, moradora da capital e mãe de um menino de quatro meses. Pela política ainda em vigor, Zhao só pode ter um segundo filho caso pague um preço proibitivo em multas e serviços como saúde e educação. Com a mudança, ainda a ser colocada em prática, o caminho está aberto para uma nova gestação. "Eu quero um outro bebê. Se tivermos mais dinheiro, acho que terei sem hesitar", diz a chinesa, que tem três irmãs e um irmão. "Eu e meu marido achamos que uma criança é algo muito solitário, mas é difícil. Somos do campo, sem ajuda de ninguém na cidade, é mais difícil em Pequim." A preocupação com custos de um apartamento maior e educação de qualidade, e a necessidade de mais benefícios sociais para a maternidade não é exclusiva de Zhao, mas um fator que faz muitos chineses ponderarem sobre a opção pela segunda criança -e especialistas se questionarem sobre o impacto da nova permissão de dois filhos para todos os casais.