ENCILHAMENTO, RUI BARBOSA E O SUB-PRIME


Aníbal de Almeida Fernandes, Abril, 2010.

Encilhamento: o nome é devido ao grande movimento especulativo que eclodiu na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, chamado assim por conta do encilhamento dos cavalos antes do páreo no Hipódromo, quando a agitação da atividade dos apostadores fica frenética, (atualmente seria o efeito manada na bolsa, que faz todos venderem ou comprarem, enlouquecendo os índices).

Contexto histórico: após a proclamação da República o governo Deodoro da Fonseca herda uma estrutura econômica arcaica, baseada na monocultura do café, um retrógrado sistema financeiro e um novo segmento social cuja maioria era composta por um novo grupo social que começava a se formar como brasileiro classe média e queria ocupar um espaço na sociedade de fazendeiros e nobreza elitista. Para mudar essa situação Benjamin Constant e Rui Barbosa já tinham preparado os primeiros decretos para o Marechal Manoel Deodoro da Fonseca que, doente, fraco e febril, ainda a 15/11/1889 assina extinguindo a monarquia e os títulos nobiliárquicos[1], revogando a Constituição do Império, fechando Câmara e o Senado e retirando da Igreja Católica o privilégio de ser a religião do Estado e considerando cidadãos brasileiros todos quantos se encontrassem no Brasil, mesmo estrangeiros, desde que nada declarassem em contrário. Escolhido como o 1º Ministro da Fazenda da República, Rui Barbosa tomou posse com um discurso que seria importantíssimo para a República ao afirmar: O Brasil tem que deixar de ser um país essencialmente agrícola, a Revolução Industrial da Inglaterra tem mais de 100 anos, não tomamos conhecimento de nada. Essa intenção revoltou e assustou a oligarquia agrária paulista (que substituíra na produção do café a aristocracia dos Barões fluminenses do Império, que fora arrasada pela terra cansada pela falta de trato durante as décadas do esplendor do café a partir de 1880 e a libertação dos escravos) que era a mais forte locomotiva econômica da incipiente República, pois o Brasil vendia 96% do café bebido pelo mundo inteiro e 94% desse café era plantado, colhido e vendido (a maior parte para exportação) por São Paulo. São Paulo pressentiu o perigo no discurso de Rui e, em 6 meses, sugeriu que Rui deixasse o Ministério para cuidar do projeto da primeira Constituição da República. Rui Barbosa permaneceu no cargo de Ministro da Fazenda por apenas 14 meses, até que perdeu o cargo em 2/1/1891. Os problemas econômicos causados pela política do Encilhamento foram parcialmente resolvidos no governo Campos Salles através do controle da emissão de moeda e do estímulo ao crescimento industrial do país e a República, recém implantada, logo se submete ao mesmo poder político-econômico das oligarquias agrárias que prevalecera durante todo o Império e, na República, reaparece através da política Café com Leite, numa clara demonstração da permanência histórica das elites, que subsistirá até a Crise do café de 1929 e a Revolução de 1930.

Abordagem técnica: Rui Barbosa adotou uma política que visava estimular a industrialização e o desenvolvimento brasileiro, porém desencadeou uma das mais graves crises econômicas vividas pelo Brasil, o Encilhamento, gerando altíssima inflação com perda brutal do valor do dinheiro. Rui Barbosa se inspirou no sistema bancário norte-americano estabelecendo uma política monetária baseada na livre emissão de créditos monetários. Desta forma, para estimular a industrialização e o desenvolvimento de novos negócios, os bancos passariam a liberar empréstimos livremente às pessoas, sem mesmo saber das reais condições de pagamento das mesmas, ou seja, a irresponsabilidade é recorrente na história humana, pois a crise do sub-prime americano, iniciada em 2007, (117 anos depois do Encilhamento), tem a mesma característica de falta de critério seletivo rigoroso para a concessão do crédito, gerando as mesmas trágicas conseqüências do Encilhamento. Para financiar esse enorme volume de empréstimos, o governo foi obrigado a fazer grandes emissões/injeções de dinheiro no sistema econômico, provocando uma grande desvalorização da moeda e acarretando altíssimos níveis de inflação. Além do mais, o dinheiro concedido por meio dos empréstimos, na maioria das vezes, não era utilizado de forma eficiente, resultando no pouco tempo de funcionamento de inúmeros estabelecimentos comerciais e industriais e, além disso, essas empresas que eram criadas e fechavam suas portas rapidamente, mantinham suas ações à venda na Bolsa de Valores, inclusive com preços ascendentes???. Tudo isso gerou uma enorme especulação financeira e o surgimento de empresas fantasmas, complicando ainda mais a situação econômica da nova República. Apesar de tudo apolítica monetária de Rui Barbosa foi uma inovação na época, pois tirou as amarras do padrão ouro vigente no Império, pelas quais um país só podia emitir moeda se tivesse o correspondente lastro em ouro, e permitiu através do decreto 165 de 1890 a emissão com lastro apenas em títulos públicos. Isso permitiu que os bancos emitissem dinheiro sem lastro de reservas reais despejando na praça 450 mil contos de réis, o que dobrou o meio circulante que havia na praça, dando um total de 900 mil contos de réis, (o orçamento de todo Império do Brasil em 1867 era de 97 mil contos de réis!!!!, ou seja, o dinheiro no início da República teria perdido 10 vezes o seu valor!!!!). Essa enorme massa de dinheiro posta na mão da sociedade visava permitir a criação de empresas e o pagamento de salários para mais de 1 milhão de ex-escravos (outros informam 640.000) e para os imigrantes que foram contratados para substituí-los. Grande parte do desastre que Rui provocou através do Encilhamento decorreu da implementação torta do programa, pois havia o claro intuito de beneficiar alguns banqueiros da época, particularmente o Conselheiro Mayrink. Ao tomar a decisão individual de beneficiar Mayrink, Rui Barbosa se enfraqueceu politicamente junto à opinião pública e aos próprios colegas de Ministério. Foi obrigado a ceder a Campos Salles, que queria um banco emissor de dinheiro para São Paulo e a outros colegas. Vários trabalhos contemporâneos comprovam o levantamento de Raimundo Magalhães Jr, das sucessivas gambiarras a que Rui Barbosa foi obrigado a recorrer para dar sobrevida a Mayrink, cujo banco sequer tinha capital integralizado. Foi uma série de concessões que alimentou a fogueira do Encilhamento que empobreceu várias famílias de titulares do Império que haviam colocado seu derradeiro dinheiro, apurado a duras penas com a venda/queima das depreciadas fazendas de café fluminenses com suas terras exaustas, no Banco do Brasil que quebra por conta do Encilhamento e deixa essas famílias na miséria.

Mais informação sobre essa situação

http://www.genealogiahistoria.com.br/index_historia.asp?categoria=4&categoria2=4&subcategoria=100

Atualidade: Gustavo Franco escreveu uma monografia sobre Rui Barbosa, vencedora do Prêmio BNDES de Monografia. Quem não ler mais nada sobre o Encilhamento concluirá, a partir da monografia, que os erros de Rui foram amplos e estavam ligados, no nascedouro, aos privilégios concedidos ao Conselheiro Mayrink. Gustavo insiste o tempo todo de que faltou apenas um Banco Central forte para que o plano tivesse dado certo. Um século e quatro anos depois, Gustavo Franco implementa uma política de remonetarização, inspirada claramente em Rui Barbosa, contando com um Banco Central forte e independente. E repete o mesmo desastre de 104 anos antes. No seu artigo na revista, Gustavo diz que as idéias econômicas de Rui se impuseram no século 20 no Brasil. Porem do Encilhamento à Revolução de 30 vigorou novamente o padrão ouro. De 1930 a 1980, houve a economia fechada e o controle do fluxo de capitais. Apenas a partir de 1994 a pior parte das idéias de Rui voltou a se impor no desastre cambial do Real, que expôs novamente a economia brasileira às crises internacionais. Em comum, temos economias estagnadas no pós Encilhamento e no pós Real. O desastre do Encilhamento matou a primeira grande oportunidade de salto no crescimento brasileiro, na mesma época em que a Argentina se aproveitava dos ventos internacionais para se tornar uma economia de primeiro mundo. O Real matou a última oportunidade.

Especulação: Rui saiu do Ministério sócio do Conselheiro Mayrink em três ou quatro empresas fundadas durante o Encilhamento. Porque Rui Barbosa permitiu que o jogo especulativo do Encilhamento fosse tão longe, arrebentando com a política monetária, devido às sucessivas concessões feitas aos banqueiros seus protegidos? Uma explicação plausível: no site da Casa de Rui Barbosa há fotos de dois automóveis com que o cunhado de Rui, Carlito (Carlos Viana Bandeira) presenteou-o e à sua esposa Maria Augusta, ainda no final do século XIX. Carlito era o testa-de-ferro de Rui em um banco criado de forma fraudulenta com o Conselheiro Mayrink (o banqueiro protegido por Rui). Embora economistas como Celso Furtado considerem que o Encilhamento, propriamente dito, nada tinha a ver com a política econômica de Rui, a ligação era direta. A poderosa liquidez que Rui proporcionou a seus banqueiros (direito de emitir moeda) era canalizada quase na sua totalidade para jogadas fraudulentas na Bolsa. As jogadas eram de conhecimento geral, eram divulgadas na mídia. Porque Rui nada fez para contê-la??

Trecho das memórias de Carlito: "Minhas atividades em torno da Bolsa proporcionavam-me resultados que me faziam nadar em dinheiro. Os sucessos eram expostos na nossa roda como tacadas. De quando em quando, uma de 20, 30, de 50 contos. Vez por outra, uma de 100 ou mais. Agora, sim, apresentava-me como um capitalista. Enchi-me de boas roupas, calçados, chapéus e bengalas". Nessa época, em que Rui foi Ministro, o cunhado tinha apenas 20 anos!!!

Mais uma vez, nada se cria tudo se copia no mundo das finanças.

 

Esse trabalho é uma conseqüência das informações veiculadas pela Internet e por jornais com os articulistas abaixo identificados e sua similitude com as crises do séc. XX e do sub-prime de 2007:

Tribuna da Imprensa: 6/12/02, Helio Fernandes,

Tribuna da Imprensa: 19/6/2006, Carlos Chagas, Tribuna da Imprensa: 23/4/08, Carlos Chagas

Blog do jornalista Luis Nassif: 7/9/2006 e 10/9/2006

Tiago Dantas da equipe Brasil Escola

VASSOURAS a Brazilian Coffee County, 1850-1900 Stanley Stein, Harvard University, 1957:

retrata de maneira clara e objetiva o começo, formação e início da decadência de Vassouras, quando terminam as matas virgens para derrubar e plantar e a rotina míope dos vassourenses que não adubam ou cuidam de proteger a terra onde plantam; e eu nunca tinha lido sobre a confusão e decadência que causou a implantação da estrada de ferro (D. Pedro II) para as vendas e comércio da estrada de terra (Estrada da Polícia). Também me impressionou a mudança das tropas de mulas (cada uma com 9 arroubas) que custavam 33%!!!!!!!!! do que valia o café para transportá-lo até o Rio e quando chega o trem que facilita tudo e fica rei o carro de boi que carregava 100 arroubas até as estações e derruba o custo do transporte e a perda de café e mulas nos constantes acidentes anteriores e Vassouras fica riquíssima e muito sofisticada no seu modo de vida.

Pg 226 os escravos entre 1857-58 valem 73% do valor da fazenda.

Pg 246 em 1882 o escravo é o que vale nas fazendas, pois tem liquidez e as terras estão exauridas.

Pg 247 as propriedades em 1888 desvalorizam 10 vezes em relação a 1860 e o escravo tem valor zero na composição do valor das fazendas, após a Lei Áurea.

Pg 251 estima em 500.000 escravos libertos em maio/1888.

pg 260 estima em 500 mil contos de réis a necessidade de dinheiro para os salários.

Pg 286, 287, 288: o pasto invade os cafezais e o êxodo das famílias dos antigos fazendeiros segue firme.

Pg 293

1825 > 1,05US$ dolar = 1,050.00 conto de reis portanto 1000x

e passa a equivaler em:

1850 > 0,58US$ dólar = 580.00 conto de reis

1875 > 0,55US$ dolar = 550.00 conto de reis

1900 > 0,19US$ dólar = 190.00 conto de reis

Pg 294 estima em 17.319.556 hab. a população do Brasil em 1900.

Pg 295 estima em 1887 > a existência de 637.602 escravos






[1]Logo após a República havia uma grande hostilidade para com os titulares do Império que, muitas vezes, eram ridicularizados e tinham que omitir suas ligações com o Império. Houve uma exceção, pois o Barão do Rio Branco assinou como Barão até a sua morte.



 
















 
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Genealogia e Historia = Autor Anibal de Almeida Fernandes