SOBRENOMES NO BRASIL = DIFICULDADE e CONFUSÃO


 Anibal de Almeida Fernandes, Abril, 2010, atualizado Janeiro, 2023.


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 Desde a Idade Média e até ao século XVIII, em algumas zonas rurais portuguesas as pessoas eram conhecidas apenas pelo nome próprio, ao qual era acrescentado o patronímico (nome do pai), para os rapazes, e o matronímico, (nome da mãe), para as moças. Em casos mais raros podia o rapaz ser conhecido pelo matronímico, por exemplo, se não tivesse pai, ou a moça pelo patronímico, no caso, por exemplo, de o pai ser de uma família mais distinta do que a da mãe. A partir do fim da Idade Média, numa lenta transição do campos para as urbes (cidades), e do litoral para o interior, os patronímicos tendem a fixar-se, transmitindo-se sempre o mesmo, já como sobrenome de uma determinada família que o usa em comum.


Nos documentos oficiais em Portugal, por exemplo, na Chancelaria Régia portuguesa, os registros mencionam sempre o nome da pessoa, seguido do nome do pai dela, de forma a impedir confusões entre homônimos.


A necessidade de adicionar outro nome para distinguir as pessoas de mesmo nome próprio veio a ganhar popularidade. Então elas passaram a adicionar ao nome que declaravam, ou que assinavam, o apelido (sinônimo em português de alcunha ou sobrenome) por que os outros as distinguiam, ou então o nome da sua terra de origem:


Exemplos:


1º) João Anes, filho de um ferreiro, se diria João Anes Ferreiro, podendo passar essa alcunha/apelido aos seus descendentes.


2º) O filho de João Anes, de Guimarães, que passasse a residir em Barcelos, dir-se-ia João Anes de Guimarães.


3º) Este processo é paralelo e análogo ao da nobreza, que em muitos conhecidos se assina pelo nome das terras de senhorio da respectiva família João Anes de Sousa, ou seja: João, filho de João, senhor ou dono das Terras de Sousa.


No século XI, época da Revolução Urbana na Europa, com a explosão da população nas pequenas cidades (urbes) medievais, pouco mais do que aldeias, o uso de um segundo nome se tornou necessário e tão comum nessas cidades subitamente crescidas, [e onde as pessoas passaram a ter mais dificuldade em conhecerem-se todas entre sí] e, em alguns lugares era mal visto não se ter um sobrenome.


Atenção: mesmo tendo sido este fenômeno de explosão da população o motivo do começo para todos os sobrenomes que existem hoje, grande parte dos nomes usado nas Idades Média e Moderna não tem a ver com a família, isto é, nenhum era obrigatoriamente hereditário, até à implantação do registro civil com força de lei em Portugal, no ano de 1911.


No século XIV é adotado em Portugal a língua portuguesa para os registros oficiais, abandonando-se o latim bárbaro até então utilizado para os registros. Isto paralelamente a outras nações européias, onde pelos anos de 1370 já se encontra a palavra sobrenome em documentos, nas respectivas línguas locais.


Mas sobrenome significando ainda, e tão somente, um segundo nome mais distintivo, livremente atribuído ou escolhido e não necessariamente transmissível, ou seja, não era o sobrenome no sentido contemporâneo do termo.


Note-se que, até ao séc. XVII, nem sequer a Família Real dispunha de sobrenome, sendo os seus membros apenas nomeados pelos seus nomes próprios e seus respectivos títulos distintivos, lembrem-se dos reis de França que assinavam apenas o nome, como aparece no contrato de casamento de Luis XVI com Maria Antonieta em pleno séc. XVIII.


Contrato Casamento Louis Auguste (Luis XVI) assina sob Louis (Luis XV) e seguem os demais membros da familia real da França



Até 1911, a adoção dos sobrenomes era liberal, isto é, as pessoas eram apenas batizadas com o nome próprio, e escolhiam livremente mudar esse nome próprio ao entrar na adolescência, época em que recebiam o Sacramento da Crisma, considerado um novo batismo, e que permitia, e permite, mudar o nome próprio, ou acrescentar-lhe outro.


Até 1911, por conselho da família ou vontade própria, o crismado escolhia qual ou quais os sobrenomes de família que passaria a assinar como adulto. Esses registros eram exclusivamente os da Igreja Católica que serviam oficialmente, quando preciso, na vida civil.


Acredita-se que na Europa, só depois de terminado o século XIX, a maior parte das pessoas de qualquer nível social tinha um sobrenome, ou sobrenomes, hereditários, fixos nalguns casos. Fora da cultura portuguesa, este sobrenome tendia a ser patrilinear, único, e identificava a família como primado de identidade masculina, provendo assim uma ligação com o passado, e preservando sua identidade no futuro. Por esse fato no mundo fora da cultura portuguesa não é surpresa o fato de que antigamente a prioridade das famílias mais importantes fosse ter filhos homens para manter o nome, afinal, eram os filhos homens quem passavam o sobrenome para as novas gerações, e por essa razão era preocupante para uma família não ter nenhum descendente masculino.


Já em Portugal vigorava tanto entre a nobreza quanto entre o povo, o conceito de CASA, que era constituído pela noção de patrimônio familiar comum partilhado sob o comando do filho mais velho (no geral), na ausência de varões, sucediam as mulheres como senhoras da Casa que, em muitos casos transmitiram, e transmitem ainda, esse sobrenome da Casa à sua descendência. É o chamado sistema misto.


Este costume português explica porque é que, atualmente, são raríssimas, se é que ainda existem, as famílias portuguesas, ou de origem portuguesa, que mantenham a varonia do sobrenome, ou sobrenomes usados na atualidade.


Na cultura portuguesa é costume os filhos receberem um ou mais sobrenomes de ambos os progenitores.


Também assim se procede na cultura hispânica, porém note-se que, enquanto na portuguesa os sobrenomes maternos precedem os paternos na disposição final do nome completo, na Espanha e na América hispânica a ordem é a inversa.


Entre 1580-1640 sob a dominação da Espanha vigorou em Portugal a praxe espanhola do sobrenome do pai anteceder ao sobrenome da mãe.


Em Portugal o número máximo de sobrenomes permitidos é 4, o que permite o uso de sobrenome duplo quer materno, quer paterno, enquanto que na Espanha é de 2, mas esses dois podem ser duplos, unidos por hífen, resultando na realidade em quatro sobrenomes como em Portugal.


Já no Brasil e nos restantes países de língua portuguesa não existe essa limitação para o número de sobrenomes.


A partir do final do século XIX, por influência da burguesia francesa, tornou-se comum às mulheres portuguesas acrescentarem o sobrenome (ou duplo sobrenome) do marido aos seus sobrenomes sem, no entanto, perderem os seus próprios sobrenomes de solteira.


Assim, como norma geral, os pais têm filhos com sobrenomes completamente diferentes entre si.


Pelo texto O uso dos apelidos em Portugal de Antonio Machado de Farias aprende-se que a confusão sempre foi muito complexa:


Pois muitas vezes os filhos não derivam o sobrenome do patronímico do pai, mas usam o próprio patronímico do pai, outras vezes tomam o mesmo patronímico do avô paterno, ou avô materno, ou bisavô paterno, ou bisavô sogro do avô paterno.


Por conta dessa prática fica tudo muito confuso na compreensão dos sobrenomes na genealogia.


Evolução do sobrenome Arantes: do 13º avô de Anibal desde o sec. XV


Origem do sobrenome Arantes, que identificou o primeiro Arantes em Portugal: João de Arantes que, no século XV, era João de Nantes, 13º avô de Anibal, cujo sobrenome ficou assim até D. João IV, o Restaurador (1604-1656), 21º Rei de Portugal. Depois o sobrenome mudou para D’Anantes. Na segunda metade do século XVII o sobrenome passa a d'Arantes, ou de Arantes, forma moderna sob a qual passará a ser escrito e o é, até hoje. O sobrenome acompanha a evolução do nome desse lugarejo do Conselho de Chaves, Vila que pertencia à Casa dos Duques de Bragança. João de Arantes, que é o 1º Arantes nasceu, cerca de 1460, sob o reinado de *Afonso V, 12º Rei de Portugal.


João de Arantes foi Condestavel d'El Rei João II




SOBRENOMES NO BRASIL:


Exemplo ilustrativo tirado do Título: Penteado, Volume III, pg. 368 a 404, da Genealogia Paulistana de Luiz Gonzaga da Silva Leme (1852-1919), inspirada em Pedro Taques de Almeida Paes Leme (1714-1777):


Segundo escreveu Pedro Taques: A Nobre família de Penteado teve origem em S. Paulo em Francisco Rodrigues Penteado, natural de Pernambuco, para onde veio ser morador seu pai Manoel Corrêa com casa, saindo de Lisboa; e em Pernambuco se estabeleceu com negocio grande. Tendo este filho Francisco Rodrigues Penteado já bem instruído em artes liberais, sendo excelente e com muito mimo na de tanger viola, e destro na arte da música, seu pai o mandou a Lisboa sobre dependência de uma herança que ali tinha, o filho, porém, vendo-se em uma corte das mais nobres da Europa e com prendas para conciliar estimação, cuidou só no estrago que fez do cabedal que recebeu, consumindo em bom tratamento e amizades: Refletindo depois que não estava nos termos de dar satisfação da comissão com que passara de Pernambuco a Lisboa, embarcou na frota do Rio de Janeiro com Salvador Corrêa de Sá e Benevides em 1648, o qual tendo de passar a Angola, como passou, para a restaurar dos holandeses, o deixou (Francisco Rodrigues Penteado) na cidade do Rio muito recomendado pelo interesse de instruir nos instrumentos musicais a suas filhas e ao filho mais velho Martim Corrêa com quem estava unido pela igualdade dos anos. Do Rio de Janeiro, pela demora em Angola do dito Salvador Corrêa de Sá, que ficou feito general daquele reino, passou para a vila de Santos, Francisco Rodrigues Penteado; e já desta vila subia para S. Paulo contratado para casar com uma sobrinha de Fernando Dias Paes, que foi quem o ajustou para este contrato.


Pg. 368: Casou-se Francisco Rodrigues Penteado em S. Paulo com Clara de Miranda f.ª de Antonio Rodrigues de Miranda, natural de Lamego, e de Potencia Leite, à pág. 135. Faleceu Francisco Rodrigues Penteado em 1673 com seu testamento em Parnaíba e sua mulher Clara de Miranda em 1682. Teve (C. O. de S. Paulo) os 7 seguintes filhos com 4 tipos diferentes de sobrenome:


Cap. 1.º Francisco Rodrigues Penteado


Cap. 2.º Antonio Rodrigues Penteado (segue abaixo=cap. 2º)


Cap. 3.º Andreza Leite


Cap. 4.º Manoel Corrêa Penteado (segue abaixo=cap. 4º)


Cap. 5.º Paschoal Leite Penteado


Cap. 6.º João Corrêa Penteado


Cap. 7.º José Corrêa Penteado


Pg. 373: Cap. 2º) Antonio Rodrigues Penteado, foi morador em Sorocaba onde teve as rédeas do governo e casou-se com Maria de Almeida Lara f.ª do capitão-mor de Sorocaba Thomé de Lara de Almeida e da 1ª mulher Maria de Almeida Pimentel. Tit. Taques Pompeus. Faleceu em 1728. Teve os 11 f.ºs. seguintes com 7 tipos diferentes de sobrenome: (C. O. de Sorocaba).


1-1 Francisco Rodrigues Penteado § 1.º


1-2 Thomé de Lara Penteado § 2.º


1-3 Amaro Rodrigues Penteado § 3.º


1-4 José Rodrigues Penteado § 4.º


1-5 Clara de Miranda § 5.º


1-6 Maria de Almeida Pimentel § 6.º


1-7 Ignacia de Almeida § 7.º


1-8 Andreza Leite de Almeida § 8.º


1-9 Potencia Leite de Almeida § 9.º


1-10 Antonia de Almeida § 10.º


1-11 Anna de Almeida Lara § 11.º


Pg. 375: Cap. 4º) Manoel Corrêa Penteado, (ele é irmão do anterior Antonio Rodrigues Penteado) natural de S. Paulo, que foi morador em Araçariguama, adquiriu riqueza com a exploração de minas de ouro nas Minas Gerais, e foi proprietário de grande fazenda de cultura em Araçariguama termo de Parnaíba onde teve as rédeas do governo e foi pessoa de autoridade e veneração. Foi casado com Beatriz de Barros f.ª do capitão Pedro Vaz de Barros e de Maria Leite de Mesquita. Tit. Pedrosos Barros.


Faleceu em 1745 e teve os 7 f.ºs todos os 7 filhos com sobrenomes diferentes: (C. O. de S. Paulo)


1-1 Padre José de Barros Penteado § 1.º


1-2 Capitão Fernão Paes de Barros § 2.º


1-3 Manoel Corrêa de Barros § 3.º


1-4 Anna Pires § 4.º


1-5 Maria Leite da Escada § 5.º


1-6 Maria Dias de Barros § 6.º


1-7 Luzia Leme Penteado § 7.º


 Assim sendo eu concluo, mais uma vez que:


Por conta dessa prática aleatória de dar os sobrenomes, fica sempre muito confuso compreender os sobrenomes na genealogia no Brasil quando se tenta mapear a ascendencia de uma pessoa, pois tal prática aleatória era tão comum e generalizada que acontecia até com os Tabeliões [guardiões das leis] que nomeavam o filho de maneira diferente do sobrenome que tinham, como se vê nesse exemplo abaixo, tirado da Gazeta do Rio de Janeiro, cerca de 1811:



Publicidade Brasileira, 1808-1918, pg. 19 - Geraldo Alonso Filho


Fonte pesquisada para estruturar esse trabalho:


geocities.com/alancamargo2000/index_7_silvaLeme.htm


wikipedia.wiki/org/Sobrenome


Genealogia Paulistana, de Luiz Gonzaga da Silva Leme, (*1852 - †1919)


Título Moraes: Volume VII: Pág. 03, Pg. 25 e 56


Pedro Taques, de quem copiamos esta notícia sobre os Antas Moraes e que por sua vez copiou-a do título dos Braganções na livraria de José Freire Monte Arroio Mascarenhas em 1757.



Volume VII pg 3 > Moraes: Esta família teve princípio em Balthazar de Moraes de Antas, 12º avô de Anibal, que de Portugal passou a S. Paulo onde casou com Brites Rodrigues Annes f.ª de Joanne Annes Sobrinho, que de Portugal tinha vindo a esta capitania trazendo solteiras três filhas, que todas casaram com pessoas de conhecida nobreza. É o único brasileiro do sec. XVI que tem documentação legal que atesta que é nobre e puro de sangue, pois foi registrada na Câmara Municipal de São Paulo em 1670.



  


 

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Genealogia e Historia = Autor Anibal de Almeida Fernandes